A esta altura, e não porque você estava procurando saber, já deve estar ciente de que uma das personagens principais morre no filme de "Sex And The City". Mas como o longa não é dirigido por Lucio Fulci ou Dario Argento, pode apostar que vai ser uma daquelas mortes chatas e dignas de filme holywoodiano, e não o torturoso desmembramento numa piscina de ácido que, aliás, todas as personagens mereciam. Logo, qualquer possibilidade de um homem assistir a "Sex And The City" é nula, pois a morte da personagem X, que seria a derradeira recompensa, não valerá as duas horas da mais absoluta punição sensorial. Eu, por exemplo, não assistiria a este filme nem se fizessem uma exibição especial dentro da buceta da Angelina Jolie e escondessem a cura do câncer no meio dos diálogos.
Meu grande problema com o seriado "Sex And The City" é com a maneira desesperada que seus seguidores - melhor, "seguidoras", independente do sexo - tentam justificar seu valor cultural, atribuindo às personagens um espelho perspicaz da mulher contemporânea, refletindo de forma ideal o comportamento, as dúvidas, as filosofias deste novo indivíduo, além de inserir a mulher numa posição de poder, confrontando os paradigmas de uma sociedade ainda paternalista...
Elas sabem que só gostam do seriado pelas roupas.
O que estaria absolutamente bem. Caso elas o assumissem. Se um homem é confrontado com uma acusação idêntica, a valer: "você só quer assistir a este filme porque tem aquela atriz que você acha gostosa" ou "você só quer assistir a este filme por causa das lutas do Van Damme", o sujeito nem titubearia: "é por isso mesmo!" Se uma mulher é acusada de só querer ver "Sex And The City" pelas roupas, ela se ofende, acha que a estão chamando de superficial e tenta defender-lhe a todo custo o valor sócio-cultural, justificando-se como se a tivessem acusado de algum crime. A mulher pós-moderna desenvolveu um sentimento paranóico de que vão achá-la superficial e apóia-se no discurso descontrutivista, e um tanto Derridariano, de nossa época para tentar conferir-se conteúdo. Conteúdo este que não é qualitativo, mas quantitativo: "isto é uma xícara de chá", para a mulher pós-moderna, é "levando em conta a conjectura de ambas nossas perspectivas e assumindo as questões lingüísticas, uma vez que o material do qual tal xícara foi feita não é realmente chá (e sim porcelana), mas o seu conteúdo (ao passo que "de" é elusivo), poderíamos, portanto, confirmar que trata-se, de fato, de uma xícara de chá.
"Teria que ser justo e estudar todo o seriado para ilustrar os motivos pelos quais "Sex And The City", pior do que não ter um conteúdo culturalmente válido, tem um conteúdo nocivo e retrógrado para o seu próprio público-alvo, que poderia muito bem relaxar e só curtir as roupas, o estilo de vida, Nova York (se bem que, com a cara de Sarah Jessica Parker assombrando cada episódio, seria fácil confundir "Sex And The City" com "Mulberry Street - Infecção em Nova York" a cada vez que acidentalmente se liga a TV e se depara com aquele nariz), mas não o farei simplesmente porque tenho apego ao meu pênis e temo que ele caia se abusar das doses de estrogênio televisivo. No entanto, encontrei um exemplo que acidentalmente pude assistir ontem e que me bastará com sobras: duas personagens, Parker e aquela sua amiga velha vagabunda tarada, apelidemos de Dercy Gonçalves, conversam num loft. Parker parece vexada com alguma coisa sexual e quer discutir com seu consorte na cama. Dercy se opõe e declara: "a única coisa que deve ser dita druante o sexo são palavrões", o que, aliás, estou plenamente de acordo. E este é justamente o problema. Claro que sou partidário da filosofia indiana do sexo enquanto cerimônia sagrada que não pode ser maculada com quaisquer perturbações do mundo exterior - problemas de família, de trabalho, contas a pagar, "por que você estava falando com aquela piranha?" - e se permitir nesta atividade um comportamento pelo qual também não poderei ser julgado lá fora, daí a coisa do "dizer palavrões". Porque é divertido, sórdido, excitante. Mas eu que a outra parte diga estes palavrões porque ela tem vontade, porque ela compartilha dessa filosofia, e não porque é uma etiqueta, a dica do mês da revista Nova para como levá-lo à loucura. A gente percebe a diferença entre "Isso! Vai! Me fode! Me arreganha!" e "Isso, pode ir... me fode... não é isso que você quer? Então, arreganha, não tem problema não...
"Ou seja, a personagem mais progressista do seriado ensina-a a ser submissa: Parker está fazendo sexo sem vontade, quer discutir algo, Dercy a diz para calar a porra da boca. O que um homem certamente estará de acordo. Mas nenhuma mulher que se preze deveria dar-lhe ouvidos. Os colegas vão me fuzilar, mas se algo incomoda Parker e acaba influenciando-a sexualmente, ela sim deveria se abrir, dialogar, colocar as cartas na mesa. Claro que em algum momento mais oportuno do que na hora de foder (e falta um seriado para ensinar timing e oportunidade para a discussão de relação, muito mais do que o "devo ou não devo falar", porque deve-se falar sempre), mas ela não deve nem pensar em foder com algo a perturbando desta forma. A única coisa que termina fodida assim é o relacionamento, com esta falta de comunicação e este pisar em ovos para agradar o acompanhante, ignorando as próprias angústias. Que se faça este sexo repleto de palavrões não para agradar e ser bem quista pelo outro, apesar da nódoa em si mesma; mas que o faça com a mesma leveza e desprendimento com que você assume abertamente que acompanha "Sex And The City" pelos sapatos em exposição.